Não se importava com a chuva, afinal nunca deixava o local. Estranhava o fato de tudo estar tão limpo e de como sua presença não interferia no ambiente. Lembrou-se de como gostava de se sujar ou de como tolerava a bagunça em seu quarto e poderia passar dias sem tomar banho. Tudo isso não importava mais, tudo era limpo, branco e inodoro que sequer conseguia inspiração para odiar tal situação.
domingo, outubro 18, 2009
Parte II
Passaram-se oito meses e muito havia mudado, os móveis, o tapete e as etiquetas já não faziam parte da sua convivência, os dia eram longos, e em algumas oportunidades notava que a noite nem surgia. Constantemente, era pego recordando sensações, cheiros e vozes. Não as identificava e sequer entendia a relação com o seu passado, passado que parecia não possuir, como se sua existência dependesse da interpretação de recordações que nada eram familiares. Comia pouco, não tomava café da manhã e a primeira refeição do dia era sempre sobra da última refeição do dia anterior. Sua segunda refeição era também a última do dia.
Visitas não eram frequentes mas também não eram fatos isolados. Geralmente eram crianças, pálidas e com vestimentas cinza-chumbo carregando consigo seus brinquedos feitos pelo mesmo marceneiro. Não conversavam, apenas trocavam olhares de reprovação e pequenos sons de descontentamento podiam ser ouvidos. As visitas sempre acabavam com as crianças aos prantos e implorando para não mais voltarem, os pais que aguardavam pelos filhos no lado de fora do apartamento as levam então, embora.
Ficava imóvel ao meio do cheiro da visita, o odor que os brinquedos de madeira deixavam ao serem friccionados contra o piso frio de seu apartamento acendia um sentimento de esperança, algo que lhe dizia que era possível desfazer todo o emaranhado de confusão que o enganava, que o fazia sentir definhando rumo ao escárnio de sua existência.
Visitas não eram frequentes mas também não eram fatos isolados. Geralmente eram crianças, pálidas e com vestimentas cinza-chumbo carregando consigo seus brinquedos feitos pelo mesmo marceneiro. Não conversavam, apenas trocavam olhares de reprovação e pequenos sons de descontentamento podiam ser ouvidos. As visitas sempre acabavam com as crianças aos prantos e implorando para não mais voltarem, os pais que aguardavam pelos filhos no lado de fora do apartamento as levam então, embora.
Ficava imóvel ao meio do cheiro da visita, o odor que os brinquedos de madeira deixavam ao serem friccionados contra o piso frio de seu apartamento acendia um sentimento de esperança, algo que lhe dizia que era possível desfazer todo o emaranhado de confusão que o enganava, que o fazia sentir definhando rumo ao escárnio de sua existência.
Postado por intothehead às 22:47
sábado, fevereiro 28, 2009
Parte I
Afastou com suas manias características, e demorou, pois não foram somente alguns móveis em sua sala de estar sob um tapete no centro. A noite os organizava pregando etiquetas coloridas e fazia um jogo de adivinhação em sua cabeça. Em todas as manhãs era surpreendido com os dizeres, retirava então as etiquetas e se perguntava o por que de não tê-las comprado em outras cores.
Com cuidado, removia o excesso de cola que grudara nas lâminas que imitavam alguma madeira nobre, aquecia uma chaleira de água e a utilizava com detergente antes de lustrar as suas preciosas aquisições. Não as tocava mais.
Lembrou-se de como crianças podem ser cruéis, mas não conseguia recordar algum fato que indicasse que sua infância fora dessa maneira, os rostos dos colegas, professores e amigos, não passavam de nomes e sobrenomes sem face. Mas, uma frase não lhe saia da mente: “Eu não gosto daqui, quero ir embora”. De alguma maneira aquilo lhe soara familiar, aquela voz de criança manhosa, tentava ao máximo se lembrar, e quando pressentia a recordação, estava lá outra vez, assoprando a fina camada de poeira e pregando novas etiquetas na desordem que criara.
Costumava ler, escrever e se comunicar, enquanto encarava a estante cheia de manuscritos, tentava perceber onde fora que perdeu o entusiasmo, ou seja lá o que em algum momento existiu. A lareira estava acesa quando decidiu agarrar um de seus troféus na estante, não se lembrara de ter lido aqueles títulos, sequer conseguia entender os garranchos nas escrituras. Já estava de noite, e não se recordou da última vez que vira o claro do dia.
Não possuía muitos bens, aliás, não possuía nenhum. Tudo fora adquirido seguindo seus princípios, nada lhe pertencia. - “É uma conquista da humanidade” - diria em algum momento passado. Mas, já não fazia idéia da origem de tais coisas e se questionava se elas realmente lhe eram de direito.
Com cuidado, removia o excesso de cola que grudara nas lâminas que imitavam alguma madeira nobre, aquecia uma chaleira de água e a utilizava com detergente antes de lustrar as suas preciosas aquisições. Não as tocava mais.
Lembrou-se de como crianças podem ser cruéis, mas não conseguia recordar algum fato que indicasse que sua infância fora dessa maneira, os rostos dos colegas, professores e amigos, não passavam de nomes e sobrenomes sem face. Mas, uma frase não lhe saia da mente: “Eu não gosto daqui, quero ir embora”. De alguma maneira aquilo lhe soara familiar, aquela voz de criança manhosa, tentava ao máximo se lembrar, e quando pressentia a recordação, estava lá outra vez, assoprando a fina camada de poeira e pregando novas etiquetas na desordem que criara.
Costumava ler, escrever e se comunicar, enquanto encarava a estante cheia de manuscritos, tentava perceber onde fora que perdeu o entusiasmo, ou seja lá o que em algum momento existiu. A lareira estava acesa quando decidiu agarrar um de seus troféus na estante, não se lembrara de ter lido aqueles títulos, sequer conseguia entender os garranchos nas escrituras. Já estava de noite, e não se recordou da última vez que vira o claro do dia.
Não possuía muitos bens, aliás, não possuía nenhum. Tudo fora adquirido seguindo seus princípios, nada lhe pertencia. - “É uma conquista da humanidade” - diria em algum momento passado. Mas, já não fazia idéia da origem de tais coisas e se questionava se elas realmente lhe eram de direito.
Postado por intothehead às 19:09
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